Esaú e Jacó, uma alegoria das disputas políticas
por Fátima Pereira
Mais uma vez Machado de Assis inventa uma
nova forma de narrar. Esaú e Jacó, seu
penúltimo livro (escrito em 1904), pode não ter a mesma reputação de Dom
Casmurro ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas não deixará o leitor
desapontado.
A Advertência, que abre o livro, apresenta o autor
hipotético da narrativa: “Quando o conselheiro Aires faleceu,
acharam-se-lhe na secretária sete cadernos manuscritos, rijamente encapados em
papelão. [...] Tal foi a razão de se publicar somente a narrativa. Quanto ao
título, foram lembrados vários, em que o assunto se pudesse resumir, Ab ovo,
por exemplo, apesar do latim; venceu, porém, a ideia de lhe dar estes dois
nomes que o próprio Aires citou uma vez: ESAÚ E
JACÓ”, mas em muitas passagens o
foco narrativo muda, o narrador deixa
transparecer suas opiniões, utilizando da primeira pessoa e até
chega a descrever Aires um pouco de desdém, ao se referir a suas posições
sempre dúbias, concordando com todos, mesmo que suas opiniões sejam
contraditórias.
Outro fator interessante nessa obra é o diálogo com
o leitor, ou melhor, leitora, já “leitor incluso” na narrativa é
apresentado em geral como uma mulher: “O que a senhora
deseja, amiga minha,
é chegar já ao capítulo do amor ou dos amores, que é o seu interesseparticular nos livros”. [...] Aqui talvez Machado brinque com o fato que as mulheres é que formavam a maioria do público leitor de romances daquela época.
O título do livro remete ao mito bíblico de Esaú e Jacó,
filhos de Rebeca, que já brigavam desde o ventre, e de acordo com a profecia,
seriam líderes de duas grandes nações. Os filhos gêmeos de Natividade, assim
como os do mito bíblico, brigam desde o ventre e à medida que crescem, suas
personalidades se mostram avessas: Paulo é impulsivo, arrebatado, Pedro é
dissimulado conservador. A disputa entre os dois se passa até nas questões
amorosas, ambos se interessam por Flora, filha de um casal de amigos de seus
pais.
Embora Machado ficasse distante das questões
políticas, já que era funcionário público, estando o Rio de Janeiro fervilhando
de divergências políticas, por época Proclamação da República, ele apresenta
através da rivalidade dos irmãos, uma alegoria das disputas
políticas brasileiras daquele tempo: já que adultos, a causa principal de suas divergências são políticas - Paulo é
republicano e Pedro, monarquista. Nesse contexto, pode-se dizer que o
Conselheiro Aires é um alter-ego de Machado de Assis, de quem se vale para emitir opiniões e posicionamentos, acerca da
política e sociedade da época.
De menino pobre e de pouco estudo a um gênio da
literatura brasileira, Machado de Assis (1839-1908) é sem dívida alguma um dos
maiores escritores brasileiros, aliás, da literatura universal. Seus enredos
bem articulados, sua inventividade narrativa, as questões humanas dissecadas
através de personagens tão bem construídos, fazem de seus livros obras-primas,
principalmente do período realista. Para quem ainda não leu, Esaú e Jacó será
uma excelente oportunidade de entrar no universo machadiano.
Fontes:
Assis, Machado de. Esaú e Jacó.
São Paulo: Globo, 1997.
http://fredb.sites.uol.com.br/esaujaco.html
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