Esse texto faz parte da coletânea da OlimpÍada de Língua Portuguesa, de Memórias Literárias (Se bem me lembro...para 7º e 8º anos). Que tal aproveitar o texto para fazer uma interpretação? O link para o gabarito encontra-se após as questões.
PARECIDA MAS DIFERENTE
O
pai de Zélia Gattai costumava contar a história de como sua família havia vindo
da Itália para o Brasil. Uma vez, quando ele narrava a viagem dos Gattai – que
era o nome da família de seu pai -, Zélia, então menina, observou que Eugênio,
seu avô materno, escutava atentamente. Então, pediu a ele que também contasse a
história da família da mãe, os Da Col.
Vovô
veio da Itália com toda a família, contratado como colono para colher café numa
fazenda em Cândido Mota, em São Paulo. Nona Pina passou a viagem toda rezando,
pedindo a Deus que permitisse chegarem com vida em terra. Tinha verdadeiro
pavor de que um dos seus pudesse morrer em alto-mar e fosse atirado aos peixes.
Carolina ressentiu-se muito da viagem, estranhou a alimentação pesada do navio,
adoeceu, mas desembarcaram todos vivos no porto de Santos.
A
família fora contratada por intermédio de compatriotas do Cadore, chegados
antes ao Brasil. Diziam viver satisfeitos aqui e entusiasmavam os de lá através
de cartas tentadoras: “Venham! O Brasil é a terra do futuro, a terra da
‘cucagna’... pagam bom dinheiro aos colonos, facilitam a viagem...”
Com os Da Col, no mesmo navio, viajaram outras
famílias da região, todos na mesma esperança de vida melhor nesse país
promissor. Viajaram já contratados, a subsistência garantida.
Em Santos, eram aguardados por gente da
fazenda, para a qual foram transportados, comprimidos como gado num vagão de
carga.
Ao
chegar à fazenda, Eugênio Da Col deu-se conta, em seguida, de que não existia
ali aquela ‘cucagna’, aquela fortuna tão propalada. Tudo que ele idealizara não
passava de fantasia; as informações recebidas não correspondiam à realidade: o
que havia, isto sim, era trabalho árduo e estafante, começando antes do nascer
do sol; homens e crianças cumpriam o mesmo horário de serviço. Colhiam café
debaixo de sol ardente, os três filhos mais velhos os acompanhando, sob a
vigilância de um capataz odioso. Vivendo em condições precárias, ganhavam o
suficiente para não morrer de fome.
A
escravidão já fora abolida no Brasil, havia tempos, mas nas fazendas de café
seu ranço perdurava.
Notificados, certa vez, de que
deviam reunir-se, à hora do almoço, para não perder tempo de trabalho, junto a
uma frondosa árvore, ao chegar no local marcado para o encontro, os colonos se
depararam com um quadro deprimente: um trabalhador negro amarrado à árvore. A
princípio, Eugênio Da Col não entendeu nada do que estava acontecendo, nem do
que ia acontecer, até divisar o capataz que vinha se chegando, chicote na mão.
Seria possível, uma coisa daquelas? Tinham sido convocados, então, para
assistir ao espancamento do homem? Não houve explicações. Para quê? Estava claro:
os novatos deviam aprender como se comportar; quem não andasse na linha, não
obedecesse cegamente ao capataz, receberia a mesma recompensa que o negro ia
receber. Um exemplo para não ser esquecido.
O
negro amarrado, suando, esperava a punição que não devia tardar; todos o
fitavam, calados.
De
repente, o capataz levantou o braço, a larga tira de couro no ar, pronta para o
castigo. Então era aquilo mesmo? Revoltado, cego de indignação, o jovem colono
Eugênio Da Col não resistiu: não seria ele
quem presenciaria
impassível ato tão covarde e selvagem.
Impossível
conter-se!
Com
um rápido salto, atirou-se sobre o carrasco, arrebatando-lhe o látego das mãos.
Apanhado
de surpresa, diante da ousadia do italiano, perplexo, o capataz acovardou-se. O
chicote, sua arma, sua defesa a garantir-lhe a valentia, estava em poder do
‘carcamano’; valeria a pena reagir? Revoltado, fora de si, esbravejando contra
o capataz em seu dialeto dos Montes Dolomitas, o rebelde pedia aos companheiros
que se unissem para defender o negro. Todos o miravam calados. Será que não
compreendiam suas palavras, seus gestos? Certamente sim, mas ninguém se atrevia
a tomar uma atitude frontal de revolta. Católico convicto, ele fazia o que lhe
ditava o coração, o que lhe aconselhavam os princípios cristãos...
De
repente, como um passe de mágica, o negro viu-se livre das cordas que o
prendiam à árvore. O capataz apavorou-se. Quem teria desatado os nós? Quem
teria?
O
topetudo não fora, estava ali em sua frente, gesticulando, gritando frases
incompreensíveis, ameaçador, de chicote em punho... O melhor era desaparecer o
quanto antes, rapidamente: “esses brutos poderiam reagir contra ele. A
prudência mandava não facilitar”.
Nessa
mesma tarde, a família Da Col foi posta na estrada, porteira trancada para
“esses rebeldes imundos”. Estavam despedidos. Nem pagaram o que lhes deviam.
“Precisavam ressarcir-se do custo do transporte de Santos até a fazenda...” E
fim.
Pela
estrada deserta e infinita, seguiu a família, levando as trouxas de roupas e
alguns pertences que puderam carregar, além da honradez, da coragem e da fé em
Deus
(GATTAI, Zélia. Anarquistas graças a
Deus. 11. ed. Rio de Janeiro, Record, 1986, p. 160-162)
Atividades
- Após a leitura identifique as palavras que você desconhece, tente descobrir seu significado pelo sentido que é usado no texto, caso seja necessário, procure-as no dicionário.
- Qual é o assunto tratado?
- Esse texto pertence ao gênero: ( ) biografia ( ) relato histórico ( ) memórias literárias ( ) conto
- Qual época da história do Brasil é retratada nesse texto?
- Qual é o fato principal narrado, que muda os planos da família Da Col?
- Qual era a imagem do Brasil para os italianos que pensavam em vir para cá a trabalho?
- Qual o meio de transporte usado naquela época para chegar ao Brasil? E como eles chegavam até as fazendas?
- a) Quando o Sr.
Eugênio percebe que as informações sobre o trabalho nas fazendas não era o
que lhe disseram?
b) Como era realmente a situação dos
trabalhadores?
- Através da leitura, conhecemos algumas características do Sr. Eugênio. Cite ao menos três delas.
- Pelo contexto, o
significado de “cucagna” é:
( ) fazenda (
) comida (
) fartura ( )
plantação de café
- Qual o foco
narrativo do texto?
- a) Os acontecimentos narrados no texto são da mesma época em que foram escritos? Justifique
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